Galeria – Uso de IA para fins artísticos e curatoriais

 

Esta galeria apresenta as discussões tratadas nesse capítulo por meio referências de obras fotográficas, de net art ou sites específicos de artistas e designers que se utilizam de estratégias de visões computacionais e uso de IAs. Ilustra também algumas das tipologias de imagem contemporânea tratadas nos tópicos Cultura visual e imageria e Glossário.

Os trabalhos também estabelecem um diálogo com os projetos Calendário Dissidente e Pantone Político, são exemplos de como podemos interrogar o uso de visões computacionais a partir de operações de linguagens realizadas com auxílio não-humano, por robôs. Não temos a pretensão de nos aprofundar na análise dessas obras e sim de estabelecer uma conexão com os conteúdos tratados na tese.

Desta maneira, ampliamos o entendimento do leitor acerca de tais práticas, ressaltando a importância da atuação de artistas, designers e pesquisadores como agentes críticos às restrições de leitura e à vigilância das IAs. Esses descobrem brechas para quebrar o paradigma dos processos de aprendizagem default das máquinas, usando as ferramentas para fins criativos e críticos.

Ao reexaminar os experimentos Calendário Dissidente e Pantone Político, no contexto dos trabalhos da galeria e de todo o processo de criação dos classificadores estéticos, enxergamos outras potencialidades dos nossos estudos. São novos modos de aprender a ver e fazer design com auxílio maquínico. Nesse ponto, afirmamos como as estratégias propostas para a pesquisa subvertem os padrões das visões computacionais e às políticas dos aplicativos.

Os resultados das visualizações maquínica sobre as imagens classificadas pelo viés estético, objeto do nosso estudo, apontam como podemos dar visibilidade e inteligibilidade aos direcionamentos algorítmicos das redes sociais; e quais as possibilidades de catalogação, classificação e criação de design de narrativas a partir do uso das IAs. Desta forma, respondem à uma das questões da tese.

 

#vigilância

A ambiguidade das câmeras de controle e vigilância. Filmam o que ninguém vê ou teria acesso. São incorporadas na paisagem como invisíveis, apesar de constituírem aparatos urbanos e tecnológicos. Há outro tipo de vigilância, nas redes sociais, constatada no paradoxo da veiculação e na exposição da imagem de quem quer ser visto (e vigiado) pelos seus seguidores em atividades cotidianas. Um misto de controle e vigilância social e cultural relacionado às questões identitárias e culturais.

 

Série Nests, 2015

Jakub Geltner

Escultura à beira mar. Aarhus, Dinamarca.
Escultura à beira mar. Sidney, Austrália.
Instalação permanente. Chateau Třebešice, República Tcheca.

Fonte: telas capturadas no site do artista (http://www.geltner.cz/).

As instalações urbanas do artista tcheco Jakub Geltner criam uma simbiose entre as câmeras closed-circuit television (CCVT) com o ambiente. Com humor, as obras questionam se existe de fato a separação entre o ambiente artificial e o natural.

Sistemas biométricos: controles institucionais, para monitorar comportamentos humanos. Como se a imagem de uma pessoa pudesse indicar comportamentos suspeitos em potencial, “poderes bio-políticos”, ideologias raciais e colonialistas. Ver Imagem vigilante, imagem relacional e Imagem não-humana.

 

Mass Ornament, 2009

Natalie Bookchin

Captura de tela do vídeo no site da artista
Captura de tela do vídeo no site da artista
Instalação no Centro para Cultura Contemporânea (CCCS). Florença, Itália.

Fonte: telas capturadas no site da artista (https://bookchin.net/projects/mass-ornament/).

Nesta instalação, Natalie Bookchin extraiu e combinou centenas de vídeos do YouTube nos quais as pessoas retratam cenas do seu cotidiano. Ao clipar as cenas lado a lado, a artista gera uma espécie de coreografia, um tipo de videodança realizado com imagens apropriadas para expor uma narrativa sobre os padrões generalizados de comportamento e exposição da intimidade nas redes sociais. A trilha sonora também é reapropriada de dois filmes Gold Diggers of 1933 de Busby Berkeley e Triunfo da Vontade de Leni Riefenstahl, dos anos 30. Ver Imagem-dança.

 

#Imagemgenerativa

Imagens geradas por inteligências artificiais através de uma colagem realizada com banco de imagens e por meio de uso de softwares específicos. O resultado final pode ser considerado uma imagem deepfake, uma imagem interpretada, uma imagem genoptica. Ou seja, uma imagem não humana.

 

Zizi Drag, 2019 em andamento.

Jake Elwes

Captura de tela do perfil do Instagram de @zizidrag, criado pelo artista inglês Jake Elwes

O Zizi Project é uma coleção de trabalhos de Jake Elwes na qual é explorada a intersecção entre inteligência artificial e a performance drag. O artista discute os desafios dos drags em explorar diferentes gêneros enquanto as IAs fazem o mesmo, ao criar imagens geradas por meio de ferramentas de deepfake. Neste jogo, Elwes desvela os vieses inerentes ao trabalho de aprendizagem de máquina.
Ver imagem deepfake e imagem genoptica.

 

 

Carte Nationale d’Identité (CNI), 2017

Raphael Fabre

Captura de tela do documento oficial CNI, com a imagem generativa do rosto do artista.

Fonte: tela capturada no site da artista (https://www.raphaelfabre.com/#cni).

Neste trabalho, o artista francês usou software 3D para reconstruir sua face e tirar a Carteira de Identidade francesa com uma foto 3×4 completamente computadorizada. Com o intuito de enfatizar a artificialidade da imagem criada, não usou scanners e optou pelo uso de ferramentas generativas para criar o seu retrato. Fabre critica a banalização, o perigo e as questões éticas do uso desses softwares.

 

 

thispersondoesnotexist.com, 2019

Captura das imagens geradas pelas IAs

Fonte: telas capturadas no site https://this-person-does-not-exist.com/en e https://thispersondoesnotexist.com/image.

O gerador de rostos thispersondoesnotexist.com é uma inteligência artificial alimentada por dois sistemas de redes neurais que competem entre si. A primeira gera algo e a segunda tenta descobrir se os resultados são reais ou gerados pela primeira. O treinamento acaba quando a primeira rede começa a constantemente “enganar” a segunda. É quase impossível reconhecer uma imagem falsa de uma pessoa, embora a colagem realizada pelas IAs com as diferentes faces extraídas do banco de dados do site, às vezes, deixa rastros das montagens, com orelhas desproporcionais, brincos diferentes (como o caso da figura acima) ou recortes imprecisos.

 

 

#visãocomputacional

Treinamento de máquina com imagens e classificadores robóticos com vieses tendenciosos: ideologia, política e preconceito e novas descobertas na subjetividade da interpretação dos robôs.

 

The Normalizing Machine, 2018

Mushon Zer-Aviv

Interação do participante apontando a pessoa “mais normal”.
Cartões dos participantes
Cartelas de tipos fisionômicos desenhados por Alphonse Bertillon para servir como banco de dados para os desenhos de retrato falado, circa 1909.

Fonte: telas capturadas no site do artista (https://mushon.com/tnm/).

 

Por meio de uma instalação interativa, o artista questiona os métodos de padronização algorítmica dos sistemas de reconhecimento facial. Cada participante é convidado a apontar qual o visual mais normal das faces de quatro painéis compostos com rostos de outros participantes. A imagem da pessoa selecionada é examinada por algoritmos e adicionada a um banco dados, projetado em uma parede com reproduções das pranchas antropométricas do criminologista francês Alphonse Bertillon, pai do retrato falado, cujos desenhos serviram de base para a eugenia. Zer-Aviv define seu projeto como um experimento na área de aprendizagem de máquina e no “preconceito algorítmico”, pois os rostos selecionados são sempre de pessoas brancas ocidentais, padrões de uma sociedade eurocêntrica com tendências discriminatórias. Neste procedimento, faz um contraponto ao trabalho do criador da computação e da inteligência artificial, o matemático inglês Alan Turing, cujo objetivo de pesquisa era buscar as diferenças e não a padronização.

 

 

VFRAME, 2018

Adam Harvey

Demo do algoritmo de identificação de objetos RBK-250
Imagem apresenta a leitura e identificação de fragmentos das bombas pela IA
12 frames de um vídeo definidos pela IA como os mais importantes

Fonte: telas capturadas no site do projeto (https://vframe.io/

O artista estadunidense, baseado em Berlim, realizou o trabalho com o Arquivo Sírio, uma organização dedicada a documentar crimes de guerra. VFRAME, acrônimo para Visual Forensics and Metadata Extraction, termo também explanado anteriormente por mim no artigo mencionado. Trata-se de um conjunto de ferramentas de visão computacional para a área de direitos humanos. A partir de vídeos captados nas zonas de guerra, o projeto identifica as bombas de fragmentação – que carregam outros artefatos explosivos. Esses, são uma das criações mais cruéis do período nazista e seguem sendo usadas nas guerras do Oriente Médio. O VFRAME usa modelagem 3D e fabricação digital combinados a um software, para criar conjuntos de dados de treinamento de imagem. Operando com visão computacional, o trabalho é o oposto dos fake vídeos e aposta na criação de uma ferramenta para defender os direitos humanos usando IA. Ver imagem multidimensional. 

 

 

Excavating AI: The Politics of Training Sets for Machine Learning, 2019

Kate Crawford e Trevor Paglen

 

A leitura do classificador de imagem do Image Net, rotulando a obra de Magritte na categoria “maçã” Image Net, extraída da pesquisa Excavating AI (CRAWFORD e PAGLEN, 2019).
Página das imagens classificadas como “Viciados em droga” ImageNet, extraída da pesquisa Excavating AI (CRAWFORD e PAGLEN, 2019).

Fonte: telas capturadas no site do projeto (https://excavating.ai/).

 

Em Excavating AI os artistas e pesquisadores estudam a lógica da escolha das imagens usadas para treinar um sistema de inteligência artificial e como tais sistemas “enxergam” o mundo. Metodologicamente, denominam esse trabalho de arqueologia de datasets, pois escavam todas as camadas dos materiais e catalogam princípios e valores nos quais foram construídos. Utilizam como referência e objeto de análise o site ImageNet, no ar desde 2009, cujo objetivo era mapear todos os objetos do mundo por meio do uso do serviço Mechanical Turk, da Amazon. Este projeto pioneiro antecipa uma questão crucial relacionada à visão computacional: analisar imagens significa lidar com contradições interpretativas, sejam elas relacionadas aos treinadores das máquinas e sua visão subjetiva de mundo, ou às interpretações das máquinas treinadas por humanos.

 

 

From “Apple” to “Anomaly”, 2019

Instalação para o Centro Cultural Barbican, Londres
Trevor Paglen

© Tim P. Whitby/Getty Images

 Nesta instalação Paglen se apropriou de 30.000 imagens extraídas do ImageNet, o banco de dados mais divulgado e disponível ao público. As imprimiu e ordenou pela categorização dada pela inteligência artificial do ImageNet. Ao expor as imagens classificadas pelos nomes dos objetos, lado a lado, o artista apresenta as contradições, preconceitos e viés cultural dos humanos responsáveis pelos treinamentos das IAs.

 

 

Outra 33ª Bienal de São Paulo, 2018

Bruno Moreschi

 

Ação “Registros decodificados: construção do espetáculo” (frame de vídeo) © Ana Cris Lyra
Ação “Registros decodificados: construção do espetáculo” (frame de vídeo) © Ana Cris Lyra
Ação “Registros decodificados: passado oficial” (frame de vídeo) ©Pedro Ivo Trasferetti

Fonte: telas capturadas no site da 33ª Bienal de São Paulo (http://33.bienal.org.br/pt/exposicao-individual-detalhe/5227).

 

Os vídeos de Bruno Moreschi, artista comissionado para a “Outra 33ª Bienal” (https://outra33.bienal.org.br/), questionam o sistema de arte e os arquivos oficiais de grandes instituições culturais e museológicas. Partindo das gravações das câmeras de segurança e de captações de vídeos, o projeto decodifica e evidencia a relação da inteligência artificial com cenas, objetos e pessoas que normalmente não seriam catalogadas como arquivo da mostra; incorpora a equipe de montagem, seguranças e a equipe da faxina, e discute a interpretação de obras de arte contemporâneas (imagens não identificadas pelas visões computacionais). Trabalhando com sete modelos de inteligências artificiais, o artista edita diferentes narrativas, como os Registros decodificados: construção do espetáculo e Registros decodificados: passado oficial. Para Moreschi, as leituras das IAs, treinadas para identificar alguns padrões, poderiam ser consideradas como erros, porém são amplificações da exposição que trazem outras informações sobre a memória desta. O projeto teve a colaboração interdisciplinar de Gabriel Pereira, Bernardo Fontes, Nina Bamberg e Guilherme Falcão.

 

 

Estudos para enganar a visão de máquina I, 2020

Sérgio Venâncio

 

Capturas de tela do vídeo das experimentações.

Fonte: telas capturadas no site do artista (https://sergiovenancio.art/works/eevm1.html).

O vídeo retrata uma série de experimentações performáticas com o objetivo de enganar ou confundir um sistema de machine learning. Explora situações não previstas durante seu processo de treinamento. As grafias partem de gestos corporais simples e o experimento demonstra como a visão computacional não consegue definir as identidades corpóreas.

 

 

#comhumanos, alémdehumanos

 

Colaboração homem-máquina para trabalhos criativos: uso de aprendizagem de máquina para fins artísticos e estratégias de driblar a máquina

 

Rituais da Complexidade #3, 2021

Fernando Velázquez

Escultura #2 Série Rituais da complexidade
Escultura #2 Série Rituais da complexidade

 

Fonte: telas capturadas no site https://www.zippergaleria.com.br/.

 

Em Rituais da complexidade, Fernando Velázquez explora o uso da inteligência artificial pela ótica decolonial. Mistura ícones e objetos representativos da cultura africana e europeia em um jogo aleatório de mistura algorítmica. O artista usa classificadores próprios e o resultado é reproduzido em imagens fílmicas e em esculturas, figuras geradas dos encontros das estéticas gregas e negro-africanas. O trabalho interroga as relações binárias de tradição e contemporaneidade, do passado e do futuro disforme no qual a herança eurocêntrica é deslocada para dar visibilidade a outras culturas.

 

 

Bottanica Tirannica, 2022

Giselle Beiguelman

Exemplo de planta cujo nome científico tem viés antissemita
“Errante”, imagem gerada por IA de imagens de todas as epécies de plantas nomeadas vulgarmente como “Judeu errante” em vários idiomas. A lenda Judeu errante associa os judeus ao martírio da via sacra da morte de Cristo desde o século XIII.

 

“Flora Mutandis”, imagem gerada por IA a partir de imagens de espécies de plantas nomeadas com nomes preconceituosos.

 

Na exposição Botannica Tirannica, Giselle Beiguelman discute o eugenismo científico a partir das origens da taxonomia imperialista e colonialista das plantas, por meio de imagens, vídeos e jardins de “ervas daninhas”. As instalações destacam os nomes científicos ou vulgares usados na catalogação das espécies botânicas, cujos significados denotam preconceitos étnicos, raciais, antissemitas e machistas.

Acima, a artista apresenta imagens interpretadas por inteligências artificiais. Essas fazem uma varredura dos nomes daquela espécie, gerando uma nova flor. Uma imagem interpretada, um jardim decolonial imaginário.

 

 

A life in flowers, 2019, para Venice Virtual Reality, Bienal de Veneza

Armando Kirwin e Azuma Makoto

Fonte: telas capturadas no site do projeto https://headspacestudio.com/ e da Bienal de Veneza. https://www.labiennale.org/en/cinema/2019/venice-virtual-reality/life-flowers.

A instalação e experiência interativa em realidade virtual funciona através da voz do próprio participante. O projeto combina o trabalho da escultora botânica Azuma Makoto com Armando Kirwin, criador de realidades virtuais. Por meio de IA, os participantes conversam com Azuma sobre a relação entre a vida e as flores e as respostas geram dados, representados em um buquê único para cada participante. Ver imagem porosa e imagem articulada.

 

 

Drawing operations, 2015 em andamento

Sougwen Chung

Fonte: telas capturadas no site da artista (https://sougwen.com/)

 

O trabalho performático de Chung consiste na pintura participativa entre um braço robótico de um corpo mecânico como uma extensão do corpo da artista. Desta forma a artista e a IA compõem desenhos em movimentos articulados. O processo de trabalho tem como objetivo pensar no ato de desenhar por meio do movimento em conjunto com os dados coletados por um sistema de IA.