Apresentação

Esta tese propõe uma investigação sobre as imagens dissidentes nas redes sociais e seu vocabulário estético à luz do design gráfico. Denominamos esses objetos gráficos e informacionais, compostos por elementos visuais (fotografias ou ilustrações) e verbais (textos), de “imagens-mensagens”. Estes minicartazes ilustram de maneira sintética, por meio de uma sintaxe visual, acontecimentos sociopolíticos. São publicados no formato quadrado, padrão dos aplicativos das redes sociais, sobretudo do Instagram, e representam a imageria digital contemporânea.

A palavra “imageria” tem sua origem etimológica no termo imagérie de Rancière (2013), que insere a linguagem da imagem atual, do fluxo das redes e das mídias, no conceito de um novo “regime de imagéité” ao defender que “as imagens são operações: relações entre um todo e as partes, entre uma visibilidade e uma potência de significação e de afeto que lhe é associada, entre as expectativas e aquilo que vem preenchê-las” (RANCIÈRE, 2013, p. 11).

O termo já havia sido adotado no título da minha dissertação de mestrado “Imageria e a poética das paisagens urbanas nas redes”, publicada em 2016, para o programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAU-USP, sob a orientação da Profª. Drª. Giselle Beiguelman, que também orienta esta pesquisa. A tese dá continuidade aos assuntos tratados na publicação. O uso da expressão “imageria” nos parece ser o mais preciso para revelar a natureza das imagens digitais contemporâneas, uma imagem que pertence a um novo regime visual.

A superprodução de imagens não é um dado novo na história. Em O destino das imagens, Rancière (2013) observa o uso dessas como narrativa cotidiana desde o século XIX, com o advento das técnicas reprodutivas, incluindo a fotografia, e a descentralização das artes e do poder, antes confinados à Igreja e aos impérios e reinados.

A troca entre as imagens da arte e a comercialização de novos produtos, de reproduções de uma “imageria coletiva”, dedicada a contar uma história de uma sociedade por meios de imagens, possibilita às pessoas a identificação com a mensagem ilustrada, representada à época por meio de vinhetas que espelhavam a sociedade do momento. (ibid, p.  25).

Esta imageria, impressa ou digital, definida como popular e não institucionalizada do século XIX, guarda semelhanças às imagerias das redes e está vinculada ao colecionismo, um elemento intrínseco à história da arte, da ciência e da tecnologia e à história da reprodutibilidade técnica.

A análise da linguagem visual e das funções das imagens dissidentes das redes, dentro de um contexto sociopolítico e cultural e sob a perspectiva da tecnologia informacional, será nosso objetivo de estudo. Trataremos de questões de arquivamento, visibilidade, novos suportes e, sobretudo, relativas à estética dessas peças, pela ótica do design.

A associação direta que fazemos de “imageria” com “imaginário” revela a natureza dos experimentos de linguagens da tese.

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Partimos da hipótese de que as imagens que circulam nas redes constituem artefatos gráficos informacionais e representam novos paradigmas estéticos no campo da cultura visual e do design contemporâneo. Essas imagens são objetos da reflexão teórica da tese, realizada através da prática projetual.

O termo imagem-mensagem, enunciado no título do trabalho, será adotado ao longo do estudo para designar este objeto, elemento agregador das reflexões interdisciplinares fundamentais para o entendimento da produção estética das redes.

O recorte em torno da produção gráfica e do design dissidente também merece um esclarecimento inicial. O termo dissidente, presente no título da tese, carrega questões contextuais, sociopolíticas e culturais, fundamentais para o entendimento das representações de linguagens visuais das quais vamos tratar. Entende-se como formatos dissidentes, as expressões visuais que rompem com cânones consolidados (como grid, diagramação equilibrada, ordenamento verbal e gramatical, entre outras) e que produzem uma visualidade alternativa às dominantes. Há uma quebra de padrões na forma como essas peças são produzidas – contexto sociopolítico, tipo de ferramentas empregadas na sua produção e mediação, velocidade da criação e imediatismo na circulação resultam em características formais específicas. São peças gráficas elaboradas pelos usuários de smartphones, por meio de ferramentas de design e templates de edição de tipografia e imagem, disponíveis nos aplicativos. Também são produzidas em softwares de ilustração ou edição de imagem, nesses casos, por um público mais especializado. A evolução tecnológica na criação, nos meios de reprodutibilidade e alcance e recepção dessas peças para o público das redes também é um dos pontos investigados na pesquisa.

Observa-se um novo vocabulário estético, relacionado à emergência da participação coletiva na produção de narrativas visuais dissidentes. Essas, são organizadas por estratégias de agenciamento de grupos temporários que se dispõem em torno de pautas comuns, mobilizando a reprogramação geral dos sistemas de comunicação (CASTELLS, 2009). Essa vasta produção de linguagem e experimentações estéticas constituem elementos materiais da cultura visual contemporânea. Essas manifestações efêmeras, na chave ativista, revelam algumas das novas estéticas da memória no século XXI (BEIGUELMAN, 2019). Nelas instituem-se pontos de vista e formatos ativistas, agenciados por múltiplos atores sociais, que incluem o público difuso das redes e especialistas, como designers e artistas, além de vários coletivos ativistas. Esta questão será aprofundada ao longo do trabalho.

O terceiro termo do título da tese refere-se à Cultura visual – linha de estudos investigada por Mirzoeff (1999), Meneses (2003), Navas (2016), Boylan (2020), Braga e Farias (2018), Julier (2006), McQuiston (1995; 2015), entre outros. Por meio deste grande guarda-chuva, costuramos a pesquisa através dos vários campos relacionados ao design de comunicação digital, contemplando paradigmas teóricos da filosofia, antropologia, comunicação, tecnologia, ciência de dados, fotografia, artemídia, artes visuais, cultura do design e história do design. A partir desta visão caleidoscópica, buscamos compreender como se dá a produção, visualização, mediação, arquivamento, apropriação e comunicação visual dessas peças gráficas por uma visão sistêmica da cultura visual digital.

Através dos experimentos Calendário Dissidente: cultural visual e memória gráfica brasileira e Pantone Político, tratamos das questões relacionadas ao design dissidente das redes e à função da imagem como elemento central dessas narrativas. Ambos os projetos representam, mediante a prática projetual, o diferencial metodológico da tese; demandaram uma combinação de análise por um viés semântico e interdisciplinar, atrelada à ciência de dados. Os experimentos exploram o uso de inteligência artificial para fins arquivísticos e curatoriais e apresentam diferentes operações de linguagens relacionadas às imagerias das redes. Idealizados no formato de sites – acessíveis desde 2020 –, também propõem oferecer informação relevante ao grande público.

Desta forma, a imagem-mensagem, a cultura visual digital e o design gráfico dissidente representam os eixos principais da pesquisa, na qual temos como objetivo problematizar as seguintes questões, que constituem o problema central desta tese:

Qual o papel do design como ferramenta mediadora para a criação, visualização e análise das estéticas emergentes das redes?

Da questão central decorrem outras perguntas: como dar visibilidade e inteligibilidade aos direcionamentos algorítmicos produzidos pelos arranjos programáticos das redes sociais? Quais as novas estratégias de catalogação e edição de imagens e ressignificação das narrativas que podem emergir a partir da utilização de recursos de IA – inteligência artificial? Como arquivar as imagens-mensagens – considerando-as como objeto material do campo do design – como memória gráfica brasileira?

A primeira fase da pesquisa consistiu na coleta de imagens. Como recorte temporal e temático dessa produção dissidente nas redes, definimos como objeto a representação imagética de grandes eventos e manifestações culturais, sociais e políticas no Brasil: desde a campanha das eleições presidenciais ocorrida em outubro de 2018, até os dois primeiros anos da gestão do presidente Jair Bolsonaro, contemplando o primeiro ano da pandemia global de covid-19, em 2020.

Com base na questão central, partimos do pressuposto de que as imagens contidas no Calendário Dissidente ilustram os problemas tratados na tese, contribuindo para a compreensão da cultura visual e da memória gráfica brasileira na contemporaneidade. O experimento reúne simultaneamente o banco de dados e a edição de imagens, visualização e arquivamento dessas, a partir de hashtags temáticas. Já o experimento gráfico Pantone Político, também editado na forma de calendário, explora outros aspectos da prática projetual com visualização de dados textuais do Twitter, oferecendo um serviço de design de informação por meio da edição de notícias relacionadas à covid-19.

 

Objetivos e aspectos metodológicos

Para responder às questões centrais da tese, elencamos a seguir os objetivos da pesquisa:

  • Analisar a produção de imagens dissidentes a partir de um recorte temático e histórico, por meio das relações entre os acontecimentos socioculturais e políticos das ruas e a produção de linguagem visual para as redes.
  • Apurar a elasticidade da imagem digital na contemporaneidade, as diversas tipologias da imagem e suas características informacionais, resultando em diferentes experiências de visualização e interação nos ambientes virtuais nas quais circulam.
  • Estabelecer uma estratégia metodológica que abarque questões semânticas, incorporando valores referentes à memória, à prática e à interação do usuário na produção e recepção desta narrativa digital; e às dissidências culturais e políticas, que geram valor e singularidade a essas peças gráficas.
  • Propor o uso de metodologias de visualização e classificação de imagens que utilizam inteligência artificial e aprendizagem de máquina, discutindo paradigmas sobre o uso de IA para fins criativos e estéticos e a importância do uso de dados quantitativos para uma análise qualitativa no campo do design contemporâneo.

Destacamos que o aprofundamento dos tópicos elencados acima parte da premissa de que a atuação do designer gráfico em uma pesquisa acadêmica pode ganhar uma outra escala com a experimentação empírica e a prática projetual. Nesse processo, o envolvimento do designer-pesquisador vai além da argumentação teórica e produção de linguagem e narrativas para interfaces impressas ou digitais. Engloba também estratégias de design code (ou tech design) – trabalho colaborativo entre designers e desenvolvedores para a coleta de dados e construção de um produto (o calendário Dissidente e o Pantone Político) com funcionalidades e experiências específicas.

O aspecto da colaboração e da interdisciplinareidade merece destaque pois apresenta novas estratégias de realização de pesquisa científica. Nesta tese a necessidade específica, junto à curiosidade sobre o uso das ferramentas informacionais para fins criativos, acabou resultando em um projeto de residência de pesquisa realizada no Grupo de Arte e Inteligência Artificial (GAIA) relacionado ao C4AI do Centro de Pesquisa e Inovação Inova USP durante os dois primeiros anos da tese, fase crucial de coleta de dados e formulação de métodos. A ponte entre a FAU-USP e o Inova USP, realizada pela Profª. Giselle Beiguelman, orientadora da pesquisa e pelo Prof. Fabio Cozman (POLI), diretor do C4AI, foi fundamental para o encaminhamento da pesquisa. Cozman abraçou o tema e me acolheu no laboratório com a equipe de seus orientadores, ampliando as perspectivas no campo das humanidades digitais. Os experimentos realizados junto aos cientistas de dados e aos artistas do Centro de Inteligência Artificial contribuíram na busca propositiva de critérios para análises visuais – empíricas, informacionais e semânticas.

A metodologia de visualização e uso de dados para fins estéticos e curatoriais, proposta por Vesna (2007) e o uso de inteligência artificial para fins criativos, proposto por Manovich (2001) foram aplicadas nas análises das imagens. Essas, estavam emaranhadas em outro tempo e espaço nas redes. O auxílio maquínico possibilitou a classificação dessa grande quantidade de dados e, posteriormente, uma análise qualitativa de uma amostragem mais diversificada.

Explorar e aplicar o uso de IAs para auxiliar na edição e classificação das imagens do Calendário nos possibilitou entrar em contato, na prática, com as problemáticas inerentes ao modus operandi das redes. A partir das dificuldades encontradas na estrutura das plataformas e suas políticas de visualização, optamos pela criação de uma estratégia metodológica própria, a fim de cumprir com os objetivos propostos. Vamos tratar detalhadamente dessas questões ao longo dos tópicos da tese.

 

Estrutura da tese

Como mencionado, a pesquisa demandou uma linha de raciocínio sistêmico, no qual os elementos de design estão diretamente relacionados com os aspectos tecnológicos e os contextos sociopolíticos e culturais. O resultado formal da tese, um site, surgiu a partir deste modelo diagramático como a interface mais recomendada para o leitor interagir com as leituras dos três capítulos – A imagem no design, Modos de ver e Imageria – apresentados a seguir:

1. A imagem no design

A discussão em torno das representações visuais do design gráfico incorpora estudos de outras áreas do conhecimento, com o intuito de compreender os aspectos socioculturais e tecnológicos que dão subsídios (e influenciam esteticamente) às criações das imagens-mensagens.  Esses artefatos materiais digitais traduzem um contexto sociocultural, antropológico, econômico e político de uma época. Ou seja, falamos de imagens que devem ser lidas de forma sistêmica, a partir de um recorte temporal e de uma perspectiva multidisciplinar.

Calendário Dissidente: cultura visual e memória gráfica brasileira

O experimento agrega múltiplas funções, atuando como ferramenta arquivística – com uso de inteligências artificiais e software open source, criado especialmente para este projeto, que reúne todo banco de dados imagético utilizado na pesquisa – mais de 800.000 imagens-mensagens.

Organizado por meio de narrativas temáticas extraídas pela metodologia de visualização e dados (VESNA, 2007; MANOVICH, 2018), pode ser considerado uma galeria de coleção de artefatos gráficos que enunciam as linguagens visuais das redes a partir do recorte proposto. Diagramado em formato de calendário, com uma página para cada dia, o site oferece a possibilidade de leitura cronológica dessas narrativas visuais.

O site disponibiliza um vasto arquivo de peças gráficas da cultura visual e da memória gráfica do design brasileiro desse período da história. Esse conjunto de peças gráficas, quando publicadas lado a lado, também problematiza aspectos críticos às políticas de visualização e de arquivos de dados (BEIGUELMAN, 2019; QUARANTA, 2014).

O experimento funciona como um arquivo de imagens-mensagens sobre os principais ativismos em pauta no Brasil durante a gestão Bolsonaro e a pandemia global de covid-19. Sobre este aspecto, o calendário pode ser visto como uma coleção de artefatos gráficos materiais da história do design (BRAGA (2018); FARIAS, 2018; HUYSSEN, 2000). Trata-se de um acervo independente das grandes instituições públicas de comunicação ou museográficas, conectado (por meio de links) à fonte dos trabalhos de designers, ilustradores, artistas e cidadãos (o perfil do autor do post no Instagram). Desta forma, o Calendário também amplia a visibilidade da vasta produção de arte gráfica brasileira.

O Calendário também foi uma escolha de um gênero narrativo específico para os experimentos. Os estudos sobre a representação deste objeto como medidor do tempo e instrumento de poder ao longo da história ocidental e oriental (LE GOFF, 1990) foram esclarecedores nesse sentido. Para não quebrar o ritmo da discussão acerca da imagem no design, optamos por considerar o tópico Calendário como gênero narrativo o apêndice da tese, onde trataremos desse formato.

Em Narrativas visuais no Instagram descrevemos a natureza das imagens que circulam no Instagram e propomos uma classificação empírica, dentre as quais a imagem ativista é uma delas. A formulação do tema da tese e o recorte acerca das imagens dissidentes se deram a partir das inquietações relacionadas às potencialidades das novas linguagens deste meio no qual as linguagens múltiplas se destacam.

As estratégias criativas, como a estética da adição e da apropriação de outros elementos visuais, são discutidas a partir de Navas (2016), pela cultura regenerativa das redes. As múltiplas formas de edição com imagens e novas mídias são tratadas a partir de Manovich (2001).

A categoria de imagens dissidentes diz respeito sobre a representação visual do que acreditamos e lutamos no campo sociopolítico. Estão inseridas no contexto atual em que vivemos e vinculadas aos acontecimentos diários no Brasil e no mundo, sobretudo ao contexto dos eventos e manifestações culturais, sociais e políticas no país durante os dois primeiros anos do governo Bolsonaro.

Deste âmbito emergem fatos que nos afetam direta ou indiretamente, e nos chamam à participação ativa, nas redes e nas ruas. No tópico #ativismo: das ruas para as redes, apresentamos os critérios para escolha das hashtags ativistas que compõem o calendário: #elenão, #designativista, #desenhosopelademocracia, #coleraalegria, #mariellepresente, #foragarimpoforacovid e #projetemos. Consideramos essas narrativas as mais representativas desse período, pela diversidade de linguagens e pelo impacto e engajamento de público (JACKSON ET AL, 2020; MALINI, 2020). Elas vão além da polarização política entre direita e esquerda e representam as vozes dissidentes sobre democracia, racismo, LGBTQIA+, empoderamento feminino, meio ambiente, demarcação de terras, covid-19, povos originários, entre outros.

No caso do Pantone Político, exploramos outros aspectos da prática projetual com dados textuais extraídos do Twitter, a fim de oferecer um serviço de design de comunicação por meio da linguagem verbal. Seu caráter dissidente se dá pela ação combativa às fakenews por meio de uma apresentação visual de notícias que se apropria da escala de cores Pantone em uma operação de jogos de linguagem (JARDÍ, 2014), (GRUSIN 2020).

Ambos os experimentos gráficos vislumbram novas estratégias curatoriais e criativas para driblar a invisibilidade e a fragilidade dos arquivamentos das peças gráficas e das notícias que circulam nas redes, passíveis de manipulações e apagamentos (BEIGUELMAN, 2020; VICENTE, 2014).

 

2. Modos de ver

Este capítulo detalha o processo metodológico adotado para a análise da amostra de imagens, os critérios de classificação estética dessas peças gráficas, assim como as questões relacionadas ao arquivamento. Primeiramente apresentaremos os paradigmas estéticos da análise semântica. A segunda abordagem discute como se deu a investigação sobre a visão computacional e aprendizagem de máquina. São modos complementares de ver, compreender e descrever aspectos qualitativos a partir de dados quantitativos.

Em Paradigmas estéticos para classificar imagens informacionais, descrevemos as etapas de criação do design sets – roteiro de trabalho colaborativo com cientista de dados e respectivas ações – para análise de um grande volume de imagens por meio de atributos visuais. Adotamos uma metodologia mista, uma análise cognitiva e outra maquínica para estabelecer seis categorias e os critérios formais de classificação estética: composição, uso de tipografia, desenhos vetoriais, colagens manuais ou digitais com sobreposição de linguagens, e uso de imagens documentais apropriadas da mídia jornalística. São elas: 1. Factual; 1.1. Meme (subcategoria de Factual); 2. Ilustração digital; 3. Tipografia digital; 4. Ilustração manual; 5. Tipografia manual (ou vernacular); 6. Apropriação. Esta classificação cognitiva de 1.000 imagens de cada categoria compôs os sets de imagens usados para o treinamento da máquina (MANOVICH, 2020; PAGLEN, 2019), tema do tópico IA, aprendizagem de máquina e subjetividade.

No tópico Análise semântica pela Cultura do design apresentamos alternativas para uma leitura das imagens-mensagens pelas linhas de estudo que derivam da semiótica e da cultura visual. Propomos uma releitura do diagrama Domínios da cultura do design proposto por Guy Julier (2006). Os estudos sobre ícones e interpretações sígnicas do pesquisador e designer Jardí (2014) também colaboraram para esta análise da qual apresentamos cinco exemplos. Nessas peças, identificamos os aspectos contextuais, a interação do usuário, a memória e o repertório sociocultural do produtor e receptor como quesitos fundamentais para o entendimento da linguagem visual dos pequenos cartazes informacionais das redes.

Na galeria Design de impacto oferecemos um breve panorama da produção gráfica, sem a pretensão de compor uma arqueologia visual e historiográfica, mas com o intuito de ampliar o entendimento sobre o design de cartazes dissidentes. A pesquisa de Mcquiston (1995; 2015), Chico Homem de Mello (2012) e Milton Glaser (2017) foram nossas principais fontes para fazer uma ponte da influência da tradição da produção de cartazes ativistas impressos desde a Revolução Russa –por volta dos anos 20 –, saltando para os anos 60, até a produção atual. Deste modo, a investigação foca-se na questão central para, neste contexto, observar como a tradição do uso de cartazes, a estética e a sintaxe visual dessas peças gráficas influenciam as novas possibilidades de produção, penetração e velocidade oferecidas pelas novas mídias digitais pelas quais as peças gráficas contemporâneas circulam.

Em Aprendizagem de máquina e subjetividade focamos no processo de criação de classificadores de imagens específicos, os rotuladores (labels) que interpretam as características visuais das imagens a partir dos inputs e referências estipuladas no treinamento. A descoberta de um script de visualização das imagens interpretadas pelas IAs foi fundamental para o desdobramento da pesquisa (KIM, 2016). Até então, todos os resultados de acurácia das máquinas eram obtidos por métricas numéricas. O uso desse método de visualização de dados consiste em uma espécie de tradução do número à imagem. Uma ferramenta que facilita a compreensão do comportamento interpretativo dos rotuladores – inteligências artificiais treinadas para classificar especificamente um conjunto de imagens, aplicando-as uma identificação.

Com os resultados aferidos pelo modelo de KIM, sobretudo os erros e as dúvidas dos robôs, pudemos observar como a subjetividade da atividade de classificação, seja ela humana ou algorítmica, está presente em todo o processo de classificação. Apesar da interpretação de uma imagem pelas IAs ser numérica, o resultado apresenta traços de subjetividade, herdados da classificação humana dos modelos de treinamento.

Esse tópico amplia a discussão sobre essa interdependência entre a acurácia da leitura da máquina e a acurácia cognitiva humana, apresentando os limites do uso dessas ferramentas classificadoras de imagens, compostas por linguagens múltiplas, ou que dependam de um repertório cultural e contextual para serem compreendidas.

A galeria Uso de IA para fins artísticos e curatoriais foi criada para evidenciar as questões tratadas ao longo desse capítulo. Por meio de instalações, ensaios audiovisuais, imagéticos, esculturas, performances ou sites de serviços, a curadoria estabeleceu cinco núcleos expositivos: #vigilância, #Imagemgenerativa, #visãocomputacional, #comhumanose alémdehumanos. Os trabalhos tangenciam o potencial criativo e uso crítico das inteligências artificiais e dialogam com as perspectivas metodológicas e críticas dos projetos Calendário Dissidente e Pantone Político. Por meio dessas obras, ilustramos as potencialidades, a fragilidade e o caráter ubíquo dessas ferramentas e complementamos os conceitos dos verbetes do Glossário Imageria.

 

3.Imageria

Este capítulo oferece um panorama da imagem digital na contemporaneidade; sua visualidade, atributos formais, informacionais e contextuais. No tópico Cultura visual e imagem digital, partimos dos conceitos da linha de estudos da cultura visual (MIRZOEFF, 1999; MENESES, 2003) para apresentar uma visão caleidoscópica desta imageria em permanente transformação.

O novo staus da imagem em questão se dá pelo amalgamento entre a imagem e a tecnologia empregada na sua concepção, resultando em diferentes visualidades. A conceituação e produção da imagem-mensagem e de outras tipologias levantadas ao longo da pesquisa são baseadas em novas ecologias e novas representações imagéticas nas quais predominam a imagem interpretada por algoritmos – uma imagem não humana –, como define Zylinska (2020). Este capítulo apresenta os diferentes aspectos dessas imagens a partir de referências teóricas do campo da filosofia, fotografia, artemídia e design (RANCIÈRE, 2013; VAN ESSEN, 2020; BEIGUELMAN, 2021; RUBINSTEIN, 2020), entre outros.

O Glossário Imageria propõe uma conexão dos experimentos gráficos – objetos principais da tese – com uma constelação sistêmica de tipologias de imagens. Reúne 50 termos sobre a imagem digital, considerados relevantes para nossa discussão. Deste modo, cumpre com o objetivo de conceituar a diversidade das imagens que circulam nas redes e impactam o estudo no campo da cultura visual. Os verbetes são baseados em aportes teóricos de autores especializados no estudo das imagens em suas diferentes formas de manifestação (estática ou cinética). Os termos podem ser consultados ao longo da leitura através dos links disponíveis.

O ensaio audiovisual Imageria se propõe a criar um imaginário dos cinquenta termos do Glossário por meio de uma paisagem sonora, conectando voz e linguagem verbal escrita a fim de provocar outros modos de ver e experienciar a visualidade.

 

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Por fim cabe ressaltar que a experiência do processo do trabalho e adoção de uma estratégia metodológica própria e multidisciplinar foi enriquecedora e proporcionou uma outra visão acerca da minha atuação como designer, pesquisadora e professora. Ademais, ampliou as possibilidades das pesquisas sobre as narrativas visuais em diversas interfaces.

Esperamos que as discussões feitas ao longo da tese contribuam para o campo do design gráfico, possibilitando reconhecer a pluralidade de linguagens emergentes da atualidade e sugerindo outros desdobramentos para investigações futuras.