Conforme descrito no capítulo A imagem no design, a imagem-mensagem é o termo-chave da tese e representa a imagem informacional analisada pelo prisma do design gráfico. Os estudos em torno deste campo na atualidade incorporam uma visão multidisciplinar e nos ajudam a entender como a sociedade absorve aspectos socioculturais e tecnológicos para criar e ao mesmo tempo refletir e se representar por meio desses artefatos gráficos.
O termo imagem-mensagem remete às leituras da imagem documental e fotojornalística pela semiótica de Saussure (2002), Peirce (1999) – ambas do final do século XIX – e posteriormente de Barthes (1978). Porém, neste estudo, esta tipologia está sendo designada para indicar as imagens dissidentes produzidas, mediadas e veiculadas nas redes, a partir da perspectiva do design, da tecnologia envolvida e da participação dos usuários.
Ou seja, atribuímos à imagem-mensagem em questão tem outras potencialidades. Ela é uma imagem metamórfica – denominação de Rancière (2013) para imagens que possuem múltiplas funções inerentes aos ambientes midiáticos as quais circulam, configurando novas visualidades. Trata-se de peças gráficas, estáticas ou animadas, produzidas para circular em ambientes informacionais e guardam relações aos cartazes dissidentes.
Esse pequeno objeto gráfico e interativo é composto por informações textuais e visuais (fotografias ou ilustrações) resumidas e de fácil compreensão, publicado no formato quadrado, padrão dos aplicativos, sobretudo do Instagram. Esta peça digital representa um artefato material e gráfico (BRAGA; FARIAS, 2018) e ilustra a linguagem remixada da cultura regenerativa das redes (NAVAS, 2016).
Para compreendê-la pela ótica do design, precisamos ver além do que se vê. Ou seja, entender o funcionamento dessa visualidade e o contexto no qual foi criada. O designer e pesquisador Enric Jardí aponta algumas estratégias de análise no qual podemos identificar diferentes jogos de linguagem em uma imagem: metáfora, metonímia, hipérbole, alegoria, conotação, ícones, códigos, símbolos, índices (JARDÍ, 2014). Essas operações, identificadas pela semiótica proposta pelo designer e pesquisador, e somada a outras linhas de estudo, como a cultura do design (JULIER, 2006) e a cultura visual (MIRZOEFF, 1999; MENESES,2003), contribuíram para a análise das imagens em questão. Ver Calendário Dissidente.
Em uma primeira análise cognitiva, podemos afirmar que essas imagens representam produções gráficas heterogêneas. São compostas por imagens factuais, ilustrações manuais ou digitais e pelo uso da linguagem verbal, por meio de textos compostos manualmente ou, na maioria das vezes, digitalmente. Neste caso, as tipografias usadas são as fontes disponíveis nos aplicativos do celular. As possibilidades de interferências gráficas sobre uma imagem, realizada pelo usuário por meio de softwares de edição, oferecidas como “ferramentas de design” nos próprios aplicativos do celular, potencializam intervenções variadas. A prática de apropriação imediata de imagens de outros usuários das redes ou de representações de outros períodos históricos, disponíveis em uma simples busca nos smartphones, é uma das características mais marcantes na composição deste artefato gráfico. São imagens feitas para viajar, imagens pobres (ou ruins), devido a sua baixa resolução, o que propicia o compartilhamento entre os usuários das redes (STEYERL, 2009).
Esta peça gráfica virtual e informacional são manifestações que carregam em sua mensagem visual e verbal elementos que vão além do estritamente formal ou iconográfico, pois representam e traduzem, nas redes, o que ocorre na esfera pública, na polis. São peças gráficas criadas no calor dos acontecimentos sociopolíticos, que representam manifestações coletivas, ativistas de diversos grupos. Esses minicartazes guardam forte relação com os cartazes ativistas de outros períodos históricos e remetem à tradição cultural dissidente de utilizar esta interface gráfica bidimensional como veículo de comunicação em manifestações no mundo todo.
Estamos diante de um léxico de linguagem cujas significações imagéticas extrapolam as funções das imagens documentais jornalísticas, das ilustrações usadas como apoio comunicacional ou dos cartazes impressos, criados por manifestantes (designers ou não), para serem visualizados sobre superfícies planas e estáticas. A imagem-mensagem carrega em si múltiplas funções e significados e são elaboradas para representar conteúdos específicos, constituem-se um meio de comunicação das classes desobedientes na atualidade.
Também podemos adotar o termo “desobediência”, no sentido pensado por Frédéric Gros (2018) para caracterizar essas imagens. Ele nomeia “narrativas políticas dissidentes”, aquelas que se recusam a obedecer a uma ordem com a qual não concordam. São conteúdos que reivindicam resistência, transgressão e direito de manifestar e não se conformar. Ver imagem desobediente.