#ativismo: das ruas para as redes

O engajamento político dos cidadãos acontece nas ruas (off-line) e nas redes (on-line). Lynn Clark (2016) relata a importância das redes sociais na internet como um canal aberto para a comunicação, mobilização e ações políticas de adeptos à prática ativista estética, na medida em que amigos e membros das comunidades das quais o indivíduo participa passam a se manifestar por meio dessa nFova linguagem de produção de conteúdo.

Assim, o conteúdo compartilhado – traduzido e compilado no formato de imagens-mensagens – revela como a identidade coletiva tem um papel central no entendimento da participação do cidadão, usuário das redes, na produção desses artefatos que são as imagens-mensagens.

Dito de outro modo, tais conteúdos também podem ser reconhecidos como “cartazes on-line”, para citar uma peça gráfica emblemática das manifestações de linguagens visuais dissidentes. São levantes políticos e sociais (DIDI-HUBERMAN, 2017) que representam uma nova corrente estética das narrativas visuais da contemporaneidade.

A constatação de que as redes sociais se tornaram os principais canais de mobilização e de veiculação das ações cognitiva e participativas em relação aos acontecimentos políticos – por meio da produção ou compartilhamento de posts – assunto tratado por Castells (2012) em Espaços de subordinação e contestação nas redes sociais. Beiguelman (2012) amplia essa discussão ao tratar do espaço das redes como espaços públicos, no qual “a mudança cultural demanda a reprogramação das redes de comunicação” (CASTELLS, 1999, p. 302, apud BEIGUELMAN, 2012, p. 24).

A partir da contestação de imagens projetadas no espaço público, criamos espaços de troca, de potências criativas e de contaminação de desejos, de luta e de imaginários, que se dá a produção de narrativas aqui investigadas. Deste modo, ressaltamos como a cultura visual digital das redes abordadas nesta investigação aponta para uma presença da produção de conteúdos visuais e textuais ativistas em interações semelhantes. Neste caso as hashtags terão um papel central na visualização destes conteúdos, organizando galerias de imagens produzidas por perfis variados.

O termo hashtag ativista apareceu primeiramente na mídia em 2011, nos Estados Unidos. Este ativismo on-line está conectado a fatos reais e materiais na esfera digital e física e reforça um papel histórico dos cidadãos em campanhas ativistas, de acordo Jackson (2020).

O termo também reflete um esforço de pesquisa transdisciplinar realizado pelas pesquisadoras norte-americanas Sarah Jackson, Brooke Foucault Welles e Moya Bailey no livro # Activism (2020). A publicação apresenta resultados de um estudo sobre gênero e raça no Twitter, iniciado em 2014. Elas investigam, como usuárias e como pesquisadoras de mídias, o comportamento de hashtags, suas histórias e repercussão global, nacional e em políticas locais. A menção a esta publicação busca traçar um paralelo com o presente trabalho pois a pesquisa abrange todo o contexto ativista ao longo da campanha de Donald Trump, em 2016.

É curioso observar as investigações sobre identidade política em clusters no Twitter – grupos específicos segmentados por ideais políticos ou por qualquer recorte definido em uma pesquisa com dados. As hashtags sobre mudanças sociais durante as eleições de Donald Trump nos Estados Unidos espelham as narrativas visualizadas pelas hashtags dissidentes no Brasil, escolhidas nesta pesquisa para representar as narrativas referentes às eleições de Jair Bolsonaro. A prática de tagueamento desenha modelos de ações de comunicação do próprio presidente Trump, de empresas corporativas e do branding de instituições e marcas (Ibid, 2020).

O discurso xenófobo e sexista de Trump durante a campanha de 2016 serviu de inspiração para o então candidato à presidência Jair Bolsonaro, em 2018. O presidente copiou a mesma estratégia de comunicação norte americana e escolheu primeiramente o Twitter como sua plataforma principal, criando uma tática de construção de narrativas inverossímeis para espalhar e disseminar suas ideias, narrativas sexistas, racistas, mentirosas, criando uma narrativa populista, misógina, de direita e alinhada ao retrocesso democrático.

Observamos que o comportamento dos usuários em redes como Twitter e Instagram se manifestaram de forma análoga ao constituir uma rede de fortalecimento das dissidências em torno de temas comuns. Infelizmente, ambas as estratégias ativistas, sobretudo nos casos analisados, Brasil e EUA, fracassaram diante do resultado nas urnas. Contudo, os ideais de um ativismo público, aberto, inclusivo e democrático, feito por cidadãos que produzem e consomem conteúdo em plataformas conectadas se fortaleceu em diversos âmbitos, mas especialmente nos campos da Ciência Política, Comunicação Social, Artemídia e Design.

No caso desta pesquisa, priorizamos a investigação da repercussão dos comportamentos sociais e culturais das manifestações imagéticas, considerando a relevância da participação dos usuários das redes sociais como chave de ativismos.

 

Hashtag X

A visualização de dados como forma de aglutinar e consolidar informações acerca de um tema ou fato vem sendo estudada desde o início dos anos 2000. A estética do projeto com imagens informacionais depende da manipulação do artista e sua prática em lidar com dados, como ele navega pelos backbones (rede de transporte de dados) das redes e consegue vislumbrar informações com uma vocação estética para seu projeto. O modo como a informação é organizada e o que deve ser publicado de forma estética depende do artista-editor (VESNA, 2007, p. 10).

No campo do design de comunicação notamos no Instagram como as hashtags seguidas de uma palavra-chave, funcionam como uma legenda aglutinadora de imagens que se deslocam em diversos contextos para serem reagrupadas em narrativas temáticas.

O grande diferencial dos ativismos virtuais é que o local onde o debate público acontece hoje é num espaço que dá acesso à participação e engajamento de todos os usuários das redes sociais, incluindo uma população menos privilegiada e que normalmente fica excluída do debate político e social. Por meio de postagens de textos e de imagens ativistas marcadas com as hashtags das principais campanhas, esses cidadãos que sempre estiveram à margem na participação e decisão política passam a ter protagonismo. A democratização do acesso ao debate sociopolítico é um dado essencial para considerarmos a participação do usuário no debate público. O alcance das hashtags é fundamental para escalonar os ativismos de indivíduos e coletivos desvinculados às instituições ou à elite “formadora de opinião” em um meio acessível e democrático. “Uma comunicação direta com imagens, emoções e ideias disseminadas amplamente de uma forma nunca vista anteriormente” (JACKSON et al., posição 21).

A combinação entre a visualização de dados quantitativos com referências filosóficas, a computação social e o campo das humanidades nos permitem uma análise mais completa relacionada à linguagem e ao vocabulário que esta prática ativista enuncia, criando pontes entre design e comunicação, tecnologia e participação, democratização e dissidências. Para pesquisas com palavras e “coisas”, é preciso saber fazer uma coleta dirigida de dados massivos a partir das APIs de plataformas como Facebook, Instagram e Twitter, orienta Fabio Malini [Sidenote: Pesquisador e diretor do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (LABIC) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Neste artigo Malini explica algumas estratégias de pesquisa com palavas-multiverso no dataset, dá exemplos de análises discursivas de algumas hashtags como #AntifasPelaDemocracia e as diferenças dos datasets colhidos ao incorporar palavras adicionais como “protesto”, “manifestação”, “democracia”, In: https://fabiomalini.medium.com/a-palavra-e-as-coisas-como-montar-a-sua-lista-de-termos-para-coleta-de-dados-em-redes-sociais-39ed3648ea4] .

As estratégias de como são feitas as buscas de palavras podem mudar a quantidade de visualização e dados, excluindo ou incluindo outras narrativas. Ou seja, a inclusão de “e” para dois termos sinônimos ou complementares expõe a função de interseção que a base de dados vai retornar sobre determinado tema. “Uma escolha de termos feita às pressas pode ocultar informações preciosas contidas em diferentes bolhas que não usam o termo escolhido pelo pesquisador, que, ao não as incorporar à coleção final de dados (dataset), ora pela inexperiência, ora pelo viés ideológico, perderá a oportunidade de registrar o debate mais denso, uma conversação mais diversa e um fluxo contraditório mais tenso nas redes”, completa o pesquisador (MALINI, 2020).

Para a obtenção e um dataset vasto em termos de diversidade discursiva sobre determinado termo da pesquisa, Malini alerta para a importância da espera de alguns dias para avaliarmos o “momento discursivo” de determinada hashtag nas redes sociais, onde os acontecimentos precisam de um tempo mais longo, e não acompanham a rapidez das redes para que apareçam ocorrências e atores se manifestem sobre um fato (Ibid, 2020).

 

A lógica dos tagueamentos

A legenda da imagem-mensagem no Instagram sugere o deslocamento deste post no fluxo das redes e gera outras possibilidades de inserção deste conteúdo em diferentes narrativas e plataformas. Observamos nessa operação um fenômeno importante: a possibilidade e o risco da transformação da natureza de uma imagem documental em uma imagem ficcional. A imagem está constantemente sujeita à interação e interpretação do usuário, à sua experiência da “visualidade” do fluxo das imagens das redes.

Em Contextual networks: data identity and collective production, Christhiane Paul (2011) aponta que existem novos contextos nos quais essas imagens, tagueadas pelos metadados, são visualizadas. A estética dessas narrativas com imagens heterogêneas, assim como a estrutura visual e o entendimento dessa linguagem de storytelling, parece oscilar de acordo com essas combinações de dados e de ações colaborativas por parte dos “leitores/autores/artistas” participativos. Uma imagem documental dentro de um contexto específico pode significar uma imagem ficcional de acordo com a palavra-chave associada a ela.

Os dados reais e virtuais se juntam nas redes sociais. Seguindo esse raciocínio, pode-se dizer que essas plataformas são os “ready for use” de distribuição, com a facilidade de oferecer uso de filtros para edição das imagens e links informacionais (tagueamentos que acionam e ampliam as redes de contato com aquela imagem/mensagem), como um verdadeiro broadcast de narrativas visuais. O uso das tags, com o uso do símbolo # e da georreferenciação, no caso do Instagram, propõe paradigmas classificatórios em um contexto de produção dinâmica: “a classificação cria o contexto para a produção do significado, na qual a massa crítica de usuários determina, ou pelo menos ajuda a modelar, o significado” (PAUL, 2011, p. 110).

Ao elaborar nossa estratégia metodológica, optamos pela lógica de trabalhar com muita quantidade para extrair dados qualitativos e interpretativos. E acabamos por seguir os procedimentos sugeridos por Malini (2020) e as observações contextuais e de significado apontadas por Paul (2011), o que resultou em uma leitura multifacetada das palavras-chave pesquisadas.

A prática de construção de narrativas se beneficia do ativismo digital em que movimentos como #mariellepresente ou #blackslivesmatter são o resultado e exemplo da potência dessas dissidências e do engajamento dos negros (afrodescendentes), das mulheres, da população LGBTQIA+, da população indígena, das minorias, nos últimos anos. Por outro lado, é importante lembrar que hashtags virais e ativistas, promovendo supremacia branca, homofobia e racismo também ganham espaço neste momento em que as batalhas das narrativas nunca estiveram tão subordinadas às ações do público (e do corporativismo das grandes empresas tecnológicas) nas redes. Apresentamos um estudo de caso a partir da #mariellepresente, no qual discutimos a relação entre a politização das narrativas e a política de visualização de dados das grandes corporações Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft (GAFAM) em Aprendizagem de máquina e subjetividade.

No caso da #blackslivesmatter, observamos a adesão maciça desta hashtag. Segundo Jackson, as narrativas compostas pela leitura desta hashtag no Twitter elucidam o passado, o presente e o futuro de causas políticas e contam histórias comoventes e difíceis que membros da comunidade estão familiarizados, embora os simpatizantes à causa ainda precisam se encorajar em participar e aprender mais sobre. Ao observar essas hashtags, assim como a #mariellepresente no Instagram, constatamos as “nuances de experiências e questões, histórias e teorias de participação social em uma mensagem sucinta, fácil de ser digerida, em uma forma fácil de ser repetida, republicada” (JACKSON et al., 2020, p. 206).

Jackson destaca as hashtags ativistas como uma prática de políticas sociais, presidenciais, lobbies de empresas e ONGS e celebridades que participam e engajam pelas causas de mudança social. Por outro lado, levantam questões sobre a lógica algorítmica e como esta pode devastar a reputação de alguém em segundos; como as regras de funcionamento das plataformas como Facebook, Instagram e Twitter deveriam seguir leis atreladas à proteção de dados e privacidade de cada país. Nos Estados Unidos a regulamentação é muito frágil e as plataformas estão descritas na seção 230 sobre Telecomunicações como “portos seguros”, onde não há necessidade de censura de conteúdo ou de penalidades (Ibid 2020, p. 201). No Brasil, a atual Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde 2021, visa proteger a privacidade e os dados dos cidadãos. Está alinhada com as regulamentações da União Europeia e dos Estados Unidos, aprovada em 2018. Porém a veiculação de peças gráficas por perfis robóticos e práticas de disseminação de notícias falsas tem sido uma preocupação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e alvo de disputas entre ministros da justiça e o atual governo. Atualmente, o Brasil tem conseguido restringir algumas medidas para o comportamento de encaminhamento de mensagens em grande número, como no WhatsApp e Telegram, assim como exige maior verificação do Facebook sobre os conteúdos políticos publicados, pedindo mais agilidade para o bloqueio de contas que praticam a desinformação.

Visualização e métricas das nossas hashtags dissidentes

Ao analisar o volume gigantesco de posts dissidentes, podemos apurar a presença de uma poética singular nas imagens produzidas e veiculadas no Instagram. As imagens ativistas inundaram as redes sociais como uma cachoeira que deságua num rio, com um fluxo de água potente e contínuo constituído por fragmentos temáticos, raramente observado até então nas mídias sociais brasileiras (Instagram e Facebook).

A estética desses posts apresenta um léxico próprio, inerente ao meio na qual a imagem foi produzida e veiculada. A efemeridade da produção dos cards das redes, pautados pelos acontecimentos diários e pelas declarações nas mídias (Twitter, TV, jornal impresso, internet, blogs, Facebook, Instagram) tem como principal característica a volatilidade. Já nascem um tanto perdidos e vão perdendo – ainda mais – o rastro e as raízes de origem para compor o fluxo midiático dos feed de notícias. Paradoxalmente, a sequência de posts visualizados no feed do aplicativo constitui uma grande mensagem polifônica sobre o mesmo tema.

Retirar essas narrativas temáticas do fluxo midiático e fazer uma curadoria dessas imagens a partir da metodologia de visualização de banco de dados significa organizar nossa memória atual, que já principia fadada ao esquecimento, na medida em que não há nenhuma garantia que determinada imagem/card/post vá ser visualizado, compartilhado [Sidenote: Ver Algumas razões pelas quais arquivamos (QUARANTA, 2014, p. 105).] .

A autoria das imagens publicadas muitas vezes passa despercebida ou é ‘esquecida’, uma vez que se desloca para outros contextos, ou é apropriada na montagem e edição de outras peças. A esse respeito, vale destacar que quanto maior o engajamento do público das redes na produção dessas imagens, mais enriquecedor o vocabulário remixado dessa produção estética em termos de amostra qualitativa. E, talvez, mais estandardizado em termos de padronização estética.

O número de imagens postadas sob a mesma hashtag ultrapassa a casa do milhar. Para conseguir capturar as imagens do #elenão postadas especificamente no dia das manifestações em 29 de setembro, foram necessários 6 de dias de download de imagens em uma máquina com capacidade de armazenamento de 2 terabytes e uma internet de altíssima velocidade [Sidenote: As classificações estéticas descritas nas tabelas estão explicadas e detalhadas no tópico Paradigmas estéticos para classificar imagens informacionais.] .

 

Fonte: dados compilados pelo software de captura e classificação de imagens desenvolvido para esta pesquisa.

 

O ato de taguear as imagens com essas hashtags permaneceu após as eleições. São temas emblemáticos ainda em pauta durante a gestão do governo Bolsonaro. Ao visualizar, por exemplo, os #elenão e #desenhospelademocracia, constatamos que essas narrativas são contínuas. Porém, essas hashtags vão mudando de significado, viralizaram e adquirem uma conotação mais contestatória e documental (e menos gráfica, relacionada ao evento ou ao ato político específico relacionada à sua criação). Essas hashtags lideravam a produção de designers, ilustradores e artistas durante o primeiro e segundo turno e, após a eleição, tornaram-se uma legenda default, um padrão em qualquer post contra a gestão Bolsonaro.

As hashtags mais populares, com maior número de postagens são #elenão e #mariellepresente. Provavelmente por representarem muitos ativismos e serem usadas como assinatura padrão.

A seguir, veremos como se dá a mobilização dos designers brasileiros em torno de campanhas ativistas produzidas em todo o Brasil durante a campanha eleitoral de 2019.

Designers ativistas: produção coletiva

As narrativas das redes não são arquivadas pelos aplicativos ou por seus autores; o post feito no calor dos acontecimentos se mistura ao fluxo midiático e o arquivo se perde ao longo do tempo.

Como vimos com Paul (2011), o deslocamento de significados de uma hashtag dissidente adquire novos significados quando deslocados para outros contextos nos quais outros usuários podem ter outro repertório cultural e motivações ativistas diferentes. Foi esse o caso de #desenhospelademocracia. Originalmente criada por um grupo de designers, artistas, professores universitários e um ciclo razoavelmente pequeno de 79 integrantes em um grupo de WhatsApp (criado em 10 de outubro de 2019), a hashtagpretendia organizar as pautas a partir das promessas de campanha anunciadas pelo então candidato Jair Bolsonaro. Essas se organizavam em torno de temas como educação, uso de armas, democracia/fascismo, meio-ambiente, e se propunham a virar o voto de eleitores indecisos entre o primeiro e segundo turno. Interessante notar que no dia da manifestação nacional (29 de outubro de 2018) apenas cinco imagens foram postadas com essa hashtag o que mostra que sua criação não ocorreu de forma espontânea, mas sim como um movimento de um grupo em reação à campanha bolsonarista até o dia das eleições. Foi uma ação planejada e pautada. O que possibilitou um resultado estético mais apurado. Alguns artistas e coletivos trabalharam em posts sequenciais na mesma linguagem visual, conferindo uma identidade própria e mais autoral às imagens-mensagens.

 

Captura de tela do celular da pesquisadora, participante do grupo #desenhospelademocracia no WhatsApp. Os diálogos acima mostram a dinâmica da criação das postagens temáticas durante o período eleitoral. O grupo era fechado e composto por pesquisadores e designers gráficos.

 

Narrativa visual de Danieltrench sobre a proposta de Bolsonaro de liberar o uso de armas de fogo. Imagens editadas e capturadas via #desenhospelademocracia.

Esta sequência narrativa, extraída da #desenhospelademocracia, utiliza-se de estratégias usadas nas ilustrações digitais vetorizadas. Se baseia na composição figura e fundo. A silhueta da figura humana aparece em alto contraste e parece ser retirada de uma fotografia; os fundos em cores cítricas e o uso de gradiente conferem um caráter digital e contemporâneo ao trabalho.

 

Postagens de Rodrigo Araujo, do coletivo Bijari, sobre diversas pautas. Imagens editadas e capturadas na #desenhospelademocracia, também postadas com a #designativista.

Essa série do coletivo Bijari segue um projeto gráfico inspirado nos cartazes suíços dos anos 50 e da arte concreta brasileira, nos quais a tipografia e a linguagem verbal e a sintaxe visual das formas geométricas configuram como elementos principais.

Imagens-mensagens de @luciacolera sobre democracia, editadas e capturadas na #desenhospelademocracia.

 

O trabalho de ilustração digital da ilustradora recifense Lucia Colera remete à xilogravura, técnica reprodutiva utilizada nos anos 60 nas artes gráficas. O trabalho figurativo com imagens bidimensionais remete às ilustrações do artista J. Borges para a literatura de cordel.

Observa-se a qualidade gráfica dessas imagens produzidas por artistas e designers organizados nessa ação coletiva veiculada especificamente para as redes. Essa hashtag ganhou força e foi adotada por muitos usuários. Entretanto, quando as eleições acabaram, ganhou outra conotação. O grupo original composto por designers e artistas que produziam as imagens a partir das pautas da campanha “Vira voto” diminuiu sua participação dissidente. E a disseminação do uso da #desenhospelademocracia por “desenhistas” (ao pé da letra) que se apropriaram da hashtag para publicar seus trabalhos e mensagens ativistas contribuiu para o aumento do número de postagens com essa hashtag, gerando um deslocamento de significados relacionados à pauta ativista [Sidenote: Ver no Calendário Dissidente as narrativas da #desenhospelademocracia dos meses de janeiro a março. ] . Ou seja, a própria lógica de deslocamentos das redes muda pode alterar o significado da mensagem de uma narrativa visual constituída por uma hashtag.

 

Captura de tela da página #desenhospelademocracia, de fevereiro de 2020 (5.000 seguidores).

 

Pauta nacional: o coletivo Design Ativista

Examinando outra hashtag da nossa coleta de dados, a #desenhoativista, vimos acontecer a ascensão numérica de postagens e a adesão nacional a este coletivo. Criada pelos designers ligados ao Mídia Ninja – grupo de jornalistas independentes conhecidos pelo uso de diferentes plataformas, com coberturas streaming nas redes sociais e no site do grupo –, o coletivo se tornou uma referência nacional e internacional para designers, para o público e simpatizantes da linguagem visual dissidente das redes.

Se compararmos à tela principal (o feed) da página de outubro de 2018 com o atual, vemos que a qualidade se manteve e a diversidade e o número de artistas ampliou mais de 6 vezes: 3.000 seguidores em outubro de 2018 e 20.900 seguidores em janeiro de 2020 (ver calendário dos meses janeiro, fevereiro e março da #designativista). Essa hashtag dissemina o vocabulário estético remixado das ilustrações digitais das redes, como podemos verificar abaixo:

 

Captura de tela da página #designativista de outubro de 2018 (3.000 seguidores) e em janeiro de 2020 (20.900 seguidores).

A disseminação de uma hashtag está associada à lógica do tagueamento e à adesão dos usuários que se identificam com determinada causa. Neste caso, além da adesão orgânica da hashtag por ilustradores e designers, o coletivo que ativa a #designativista liderou uma pauta, criando também outras estratégias de comunicação para disseminar sugestão de conteúdos que poderiam se tornar imagens-mensagens dissidentes frente ao governo Bolsonaro. O grupo de WhatsApp de 137 participantes, criado em 30 de dezembro de 2018, construiu por meio das suas páginas no Facebook e no Instagram uma comunidade de designers e estudantes de todo o Brasil. Todos os participantes e organizadores são colaboradores voluntários e o Encontro do #designativista em 2019 reuniu cerca de 1.000 participantes em 4 dias de palestras, workshops e apresentações de 50 designers e ativistas, como o designer e ilustrador Cris Vector (@crisvector); a designer Horrana Porfirio Soares (@honporfirio) com “Cadê os pretos no design?”; o publicitário (@spartakus) com “Racismo visível”; Thereza Nardelli (@zangadas_tatu) com “Memes e anti memes”; o designer do coletivo Bijari Rodrigo Araujo (@rodrigo_araujox) com “Ativismo gráfico e vocabulário combativo”; Pedro Inoue (@pedroinoue), diretor de arte da revista ativista canadense Adbuster, com “A guerra dos memes”; Rodrigo Pimenta (@pimentarodrigo) com “Ativismo na MTV”; e a designer gráfica Mariana Bernd (@maribernd) com “Sexo mentiras e silvertapes”, entre outros.

Pela diversidade dos palestrantes e temas, é possível ter uma ideia de como o design dissidente é pauta para muitos coletivos, ativistas, profissionais, estudantes de faculdades de design e de publicidade etc., que atuam em diferentes contextos sociais e culturais, em todo o Brasil, e usam de diferentes estratégias de criação e produção.

 

Imagens do Encontrão Ativista, realizado nos dias 5, 6 e 7 de dezembro de 2019, na sede da Mídia Ninja. Da esquerda para a direita: cartaz; Hon Porfírio e dois estudantes de design da FAU-USP e da Faculdade Federal de Santa Maria (RS); Rodrigo Araujo do coletivo Bijari.

Fonte: arquivo pessoal