Pantone Político: estéticas pandêmicas

O Pantone Político é um projeto que joga luz (e cor) ao apocalipse político e pandêmico desde 2020 e busca combater as fake news disseminadas pelas redes bolsonaristas informando a população sobre a situação da covid-19 no Brasil. O site 24 horas divulga dez cards com as dez notícias “de verdade” que tiveram mais engajamento no Twitter.

Este experimento gráfico foi criado na linha What design can do [Sidenote: What design can do é uma fundação internacional que busca acelerar a transição para uma sociedade sustentável, justa e usando o poder do design. Baseada em Amsterdam, foi fundada pelos designers Richard van der Laken e Pepijn Zurburg, em 2011. Está presente globalmente em São Paulo, Cidade do México, Tóquio, Delhi, Nairobi e Amsterdam e busca acelerar a transição para uma sociedade sustentável, justa e usuária do poder do design.] (o que o design pode fazer) em tempos pandêmicos, dentro de um contexto no qual o governo brasileiro sustentava um posicionamento negacionista frente ao vírus e à eficácia da vacina. E a velocidade das notícias sobre cuidados e prevenção da doença confundiam a população e dificultava o acesso às notícias fidedignas sobre a covid-19, até então conhecida como o novo coronavírus da China. O projeto do site utiliza-se do design da informação para organizar o emanharado de notícias esparsas de forma mais legível e convidativa.

Além da falta de notícias referentes à prevenção e ao combate ao coronavírus, as notícias sobre se misturavam às medidas políticas catastróficas do governo Bolsonaro, em todas as áreas de atuação: saúde, economia, educação, segurança pública, direito humanos, cidadania, etc. Pelo fato da comunicação bolsonarista ter utilizado estratégias de disseminação de fake news para diminuir a gravidade da covid-19, referindo-se ao vírus como se fosse uma “gripezinha”, a população foi prejudicada, sobretudo a parte mais vulnerável, que muitas vezes não tem acesso aos veículos de comunicação confiáveis e se informa via redes de amigos no WhatsApp, Instagram, Facebook e Youtube.

A cobertura da mídia nacional e internacional “mainstream“, impressa, televisiva ou on-line, em que mensagens textuais e visuais apresentaram um presidente-personagem caricato, construído a partir de apropriações estéticas ditatoriais, que atua sob um lema positivista de que “o Brasil não pode parar”, onde se considerava o messias salvador. Para além das questões de saúde (o país estava há quinze dias sem ministro da saúde e é recordista de mortes diárias e o terceiro país do mundo com mais óbitos), o retrocesso nas áreas ambientais, econômicas, de direitos humanos, civis e jurídicos é incalculável (dado que não temos informações fidedignas). Assim como a militarização de alguns setores do governo, com adoção de estratégias de segurança e quebra de protocolos sobre informações privilegiadas.

 

Confinamento e produção de linguagem

O período de confinamento representou uma outra vivência no tempo e espaço na qual os quinze dias de quarentena se estenderam por mais de um ano. Peter Pál Pelbart (2018) recorre ao termo “emaranhado do tempo” para falar sobre nossa experiência em rede. E essa expressão nunca foi tão adequada para caracterizar o embaralhamento do volume de notícias acerca da pandemia e o embaralhamento dos dias da semana e meses, uma vez que, em um primeiro momento, muitas atividades acadêmicas e profissionais foram paralisadas por conta do desconhecimento e dos cuidados a serem tomados com a pandemia.

Não havia um serviço de informação de massa sobre questões sanitárias, prevenções, um lugar onde poderia ler-se as principais notícias filtradas por fontes fidedignas. A criação do experimento Pantone Político nasceu desta conjuntura. Foi uma experiência criativa catártica, durante os primeiros meses de confinamento.

 

Design set: do Twitter para os cartões Pantone

Concebido inicialmente para o Instagram, o Pantone Político foi publicado na @pantonepolítico por dois meses. Incluí na minha rotina pandêmica a edição das principais notícias do dia, extraídas de vàrias fontes, e a diagramação em uma escala de posts previamente preparados com os fundos coloridos pela escala Pantone. Toda a operação levava em torno de duas horas.

Devido à velocidade e ao volume de acontecimentos diários, à impossibilidade de automação dos posts no Instagram e à percepção de que o projeto poderia sair da bolha dos meus seguidores da rede para atingir realmente quem mais precisava se informar, me desafiei a criar um calendário on-line, migrar o projeto para um site em uma versão streaming. Esta versão sofreu várias adaptações de layout para que a edição pudesse ser maquínica, 100% automatizada.

Primeiramente, criamos um algoritmo para extrair as notícias mais tuitadas e compartilhadas dos seguintes veículos: @folha, @uol, @estadao, @estadaopolitica, @midianinja, @elpais_brasil, @JornalOGlobo, @TheInterceptBr, @canalmeio, @CNNBrasil.

Na paralela, selecionamos as palavras-chaves vinculadas à covid e à gestão Bolsonaro.

O volume de dados extraídos do Twitter para uma versão 24h, atualizada a cada duas horas, foi boloqueado pela própria plataforma, por medida de segurança. O que me levou à solicitação de um pedido de autorização para obter uma licença de pesquisadora acadêmica, uma Interface de Programação da Aplicação Acadêmica (API). Com esta API, conseguimos o download de um grande volume de dados a serem usados exclusivamente em pesquisas no campo do design de comunicação, sem fins lucrativos. O processo de licença de uso dessa ferramenta exigiu comprovação da pesquisa e o preenchimento de formulários detalhados que justificassem a requisição.

O detalhamento dessa experiência é valido, na medida em que apresenta uma situação na qual o designer e pesquisador se submete à revisão dos objetivos do experimento. E este é verificado por outras instâncias, no caso o Twitter. Este episódio só fortalece a ideia de que a pesquisa acadêmica nesse campo tem de ser colaborativa e depende de outros atores para evoluir e acontecer. [Sidenote: A realização do site se deu durante a residência no GAIA. A criação de um script próprio com todos os parâmetros para a seleção e extração das notícias foi realizada pelos cientistas de dados (Vinícius Imaizumi e Vinicius Ariel dos Santos, alunos da POLI-USP e pesquisadore do Inova USP).] Essa conquista fez com que o projeto fosse impulsionado qualitativamente e quantitativamente a outro patamar de mineração de dados retroativos e em tempo real. Nosso uso da API foi bastante restrito às possibilidades oferecidas, mas conseguimos organizar o calendário retroativo, partindo da data de 1 de junho como nosso marco zero do Pantone Político streaming.

Outra constatação importante é que a partir do momento em que utilizamos o Twitter como fonte da notícia, assumimos a participação política dos usuários desta rede e o caráter colaborativo que a caracteriza, no engajamento e na distribuição dos acontecimentos em tempo real. Como esta versão é isenta da edição humana, as notícias mais tuitadas muitas vezes podem ser mais opinativas, o que confere o caráter dissidente do Pantone Político.

 

Pantone como jogo de linguagem

Por meio da metonímia, o projeto propõe um jogo entre o factual e a estética da cultura visual digital. A escala Pantone é usada para modificar a figura da notícia, substituindo o suporte visual e jornalístico dos meios de comunicação e a identidade visual do Twitter por outro elemento (o cartaz com a manchete) com o qual passa a ser relacionada (Jardi, 2014).

A partir de Grusin (2020), podemos dizer que este recurso metonímico aplicado à imagem no design é resultado do uso de objetos cotidianos associados a movimentos políticos de resistência que operam como mediações radicais que catalisam ou agregam um agenciamento dissidente. Essa operação de linguagem não busca produzir significado sobre as reivindicações desses movimentos de forma literal, não operam como metáfora, mas funcionam como imagens mediadoras, ou melhor, imagens metonímicas. Representa de uma forma original o papel do design de comunicação nas redes. Divulga de forma lúdica, as notícias sobre a pandemia.

Os títulos, pílulas tipográficas, são compostos na fonte Roboto Slab Bold – web fonte open source, disponível na Google Fontes e Adobe Fonts. Projetada por Christian Robertson, em 2013, para o sistema operacional da Google, esta família tipográfica é caracterizada como grotesque, possui serifas largas (gregas), que conferem boa legibilidade para títulos de publicações editoriais on-line.

No site, as dez manchetes com mais engajamento, são deslocadas para os cartões coloridos, dispostos sequencialmente em tonalidades cromáticas apropriadas da escala de cores Pantone – referência estética para se falar de cor no mundo do design, moda e comunicação. Essas notícias, “embelezadas”, congeladas e plasmadas nos cartões coloridos tem também o objetivo de arquivar as notícias deste período nebuloso. As notícias coloridas, estetizadas por meio da escala Pantone, são mais um exemplo de design dissidente e do uso estratégico de inteligência artificial para fins artísticos e curatoriais (MANOVICH, 2018).

A série é um registro da memória gráfica da política brasileira, na ordem cronológica dos fatos, e contribui de forma criativa, com seu papel social de informar. O Pantone Político tem o potencial de alcançar a população em geral, a qualquer usuário da internet e das redes sociais, por meio do design.

Captura de tela do experimento https://calendariodissidente.fau.usp.br/pantone
Detalhe do card de notícia, com com link para a fonte da notícia e botão de download da imagem; ao lado, captura de tela da notícia acessada pelo link. O usuário do site não precisa ter registro no Twitter para ter acesso à notícia.

Os cards também saíram das telas e foram para as ruas. Foram projetados em interfaces urbanas pelo coletivo @projetemos e funcionam como mídia para divulgar os acontecimentos políticos. “A empena foi convertida na nova ágora dos tempos da coronavida. O confinamento deu vazão a outras formas de ativismo e as estéticas construídas através das janelas”, diz Beiguelman sobre as estéticas emergentes da pandemia (BEIGUELMAN, 2021, p. 9-10).

Capturas de tela no Instagram do perfil @projetemos no dia em que o coletivo projetou as notícias do dia, editadas a partir do site Pantone Político, em uma empena cega na Rua da Consolação, em São Paulo.

 

O projeto gráfico do Pantone Político é adaptado da estrutura do Calendário Dissidente. No cabeçalho de ambos os sites há um botão de acesso ao outro calendário. As conexões entre os dois experimentos também formam um jogo de linguagem de ler pelas imagens e ver pelas palavras. As manchetes publicadas nos cards pautam as peças gráficas publicadas no Calendário Dissidente.

A experiência de visualidade e de informação se complementam e representam operações de linguagens nas quais o uso de IAs é fundamental para a criação, edição e arquivamento dos artefatos gráficos, peças da memória gráfica e política brasileira.

Na galeria Uso de IA para fins artísticos e curatoriais publicamos outros trabalhos relacionados aos experimentos, possibilitando outras reflexões críticas sobre a cultura visual digital, política de dados e dissidência política.